Do Sul para o Rio: Miguel Costa, Góis Monteiro e Getúlio Vargas na Revolução de 1930.
Getúlio Vargas nasceu em 19 de abril de 1883 em São Borja, Rio Grande do Sul – um estado onde os ódios partidários perpetuavam-se através de gerações. Sua família, tradicionalmente oposicionista, era federalista (ou maragata), mas seu pai aderiu ao Partido Republicano Rio-Grandense, batendo-se contra seus parentes na guerra civil de 1893-95.
eguindo os passos paternos, Vargas fez sua carreira entre os republicanos, à sombra do legendário líder Borges de Medeiros. Dentro da violência que predominava na política gaúcha, ele demonstrou ser conciliador e pragmático. Foi essa característica que lhe possibilitou unir todos os conterrâneos no apoio a seu nome para a Presidência da República, em 1929, dentro da Aliança Liberal, que se opunha à candidatura de Júlio Prestes – político paulista imposto ao País pelo presidente Washington Luís.
Vitoriosa a Revolução de 1930, que impediu a posse de Júlio Prestes na Presidência, Vargas assumiu o poder com o respaldo das Forças Armadas e dos novos políticos que o acompanharam ou a ele aderiram. Nos 15 anos que se seguiram, administrou o País, às vezes com mão de ferro, mas sempre com habilidade, conseguindo edificar o Estado de Compromisso (união de todos os setores da sociedade em torno do governo, personificado no próprio Vargas).
Para tanto, revelou uma extraordinária sensibilidade, pois sabia exatamente como agir para obter o apoio deste ou daquele grupo social. Assim, se sua legislação trabalhista e suas práticas populistas transformaram-no no Pai dos Pobres, ele foi igualmente a Mãe dos Ricos – pois as concessões paternalistas que fez, aliadas ao controle sobre os sindicatos, mantiveram os trabalhadores satisfeitos; ora, sem greves ou manifestações de desagrado dos empregados, os lucros fluíam naturalmente para os cofres dos empregadores.
Vargas tinha uma visão pragmática da economia: queimou café em 1930-31 porque era a única maneira de, a curto prazo, elevar os preços do produto; incentivou a diversificação da economia porque o Brasil não podia continuar na dependência de um único artigo de exportação; e deu início à siderurgia porque, sem ela, nossa indústria jamais contaria com uma base sólida.
Não obstante, Vargas não era apenas um cérebro privilegiado, servido por sensores aguçados. Ele foi também um homem de lealdades: lealdade à família, lealdade aos amigos, e sobretudo, lealdade à Pátria foram constantes em seu comportamento. Daí sua defesa extremada dos interesses do Brasil, tendo como ápice o confronto com as Sete Irmãs, quando criou a Petrobrás, já em seu segundo período de governo (1951-54).
Na manhã de 24 de agosto de 1954, em seus aposentos no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, o presidente Getúlio Dorneles Vargas suicidou-se com um tiro no coração. Com esse gesto definitivo, pôs fim a uma crise política que certamente teria resultado em seu afastamento do poder e – conforme escreveu em sua célebre carta-testamento – abandonou a vida “para entrar na História”. Deixou atrás de si uma nação traumatizada, os amigos consternados e os adversários atônitos.
Com o transcurso do tempo, ficaria claro que seus seguidores e admiradores
eram muito menores que o modelo; por outro lado, percebeu-se que seus
opositores eram muito mais inimigos rancorosos do que meros adversários
políticos.
Hoje, os professores de História tratam-no pelo sobrenome: Vargas.
Entretanto, para seus contemporâneos, ele sempre foi Getúlio – o
que contribuía para aproximá-lo, fosse como alvo de carinho,
fosse de execração.
Excetuando-se Dom Pedro II, que governou durante 49 anos, nenhum brasileiro dominou por tanto tempo – 24 anos – o cenário político nacional.
Vargas foi um homem que amou o poder. Não o poder como um meio, sugerido por Maquiavel, mas como um fim em si mesmo, até como uma realização pessoal. Governar foi seu objetivo supremo – inclusive como forma de servir o País.
Ele não se enriqueceu no cargo, como tantos fizeram depois dele, mas aferrou-se à Presidência com toda sua energia e tenacidade. Deposto em 1945, não suportaria sê-lo uma segunda vez, em 1954. A saída para o dilema, compatível com sua personalidade e seu passado, seria a morte voluntária. Ainda hoje, há os que o crêem assassinado, caído em defesa de um ideal popular e nacionalista – quando seria mais adequado considerar sua conduta como populista e patriótica. Essa controvérsia, porém, não reduz a importância de Getúlio Vargas na História do Brasil.
Fac-símile do jornal Última Hora anunciando a morte de Getúlio Vargas.